domingo, 29 de março de 2009

O FIM DA NOSSA TERRA

- E se a gente ficar em extinção, Calú? E se o mundo deixar de existir? E se a Rússia e os Estados Unidos e a China lançarem a bomba atômica no mundo todo, Calú, o que será da gente, os cachorros, os humanos, as baratas, os ratos, os camundongos, as crianças e...
- Que que é, Pilú? Vá azarar outro.
Tô falando sério. Imagine o fim do nosso meio ambiente, porque ele é o que temos de mais valioso. Aí vamos respirar por aparelhos – e sem contar os olhos que nascerão nas nossas costas, em nossa testa, em nossos braços. Teremos três bundas, seis patas, quatro orelhas, dois focinhos, três rabos bem longos, assemelhando-se, assim, a tranças viking, isso tudo por conta da radiação da bomba. Agora, olha só, o fogo da bomba é assim, ó, bem grande, e faz um cogumelo lá no alto, Calú. Depois ele desce, tão fulminante quanto o próprio fogo do inferno, e arruína tudo o que vê pela frente. Andaremos caçando ratos, baratas ou insetos sobreviventes, para nos alimentarmos, porque a fome alastrará, destruirá, devastará e tudo rá, aqui na terra.
Se a gente sobreviver, não é, Pilú?!
É Calú, é.
- Não, não, eu estou sufocado. Imagine os prédios pegando fogo, as pessoas suicidando-se dos edifícios, desesperançadas da vida. A terra se rachando, o diabo sorrindo da gente, Calú – e sem contar os assaltos, os homicídios, porquanto o ser humano é maluco, deixe-o afligido e ele mata a própria mãe para sobreviver.
Pára Pilú, você tá doido. Olha que Deus vai te castigar por conta desses pensamentos.
- Calú, novas doenças surgiram – crianças com deficiência física e mental; cachorros sem pernas, gatos sem bigodes ou miados. Trocar-se-á tudo, Calú, porque os gatos rosnarão, as pessoas miarão como gatos, nós, os cachorros, falaremos e andaremos como humanos, e estes rastejaram como serpentes malignas, porque elas dominaram o mundo. Estamos destruindo o meio ambiente.
- De que forma Calú, somos cachorros?
- Mas peidamos.
- E o que diabo tem o nosso peido, Calú?
- Eu não sei, alguma coisa eu sei que tem. Olhe quantos carros, caminhões e fábricas despachando fumaça pelo escapamento. São milhares de empresas e veículos com as suas chaminés assassinas. O dióxido de carbono em nossos pulmões. É como se estivéssemos fumando um maço ou mais de cigarros por dia. Pense bem: em todo o mundo há fábricas, carros, queimadas, chaminés. Essa fumaça vai para o céu, machucando-o, ferindo a camada de ozônio, bolinando a gente. Deve ser esse o motivo desse calor horrível, ardido, doente. Ninguém vê o estrago no mundo. As pessoas são alheias ao nosso ar. O sol é tão gostoso de manhã, mas arde pra danar à tarde, chega a ferir o couro da gente, Calú. Sem contar as pobres das árvores urbanas, como sofrem. Meu Deus, os mares estão morrendo, seus habitantes, os peixinhos e os peixões, Calú, estão morrendo, coitadinhos deles. A Terra está sofrendo, inalando esta poluição toda do mundo; e essas sujeiras espalhadas pelos rios que causam enchentes devastadoras. Estamos destruindo a nossa natureza. E os pingüins, coitadinhos, como sofrem. A nossa floresta amazônica encontra-se devastada por tratores, queimadas, serras elétricas. Tudo isso para que possamos deitar em camas caras pra dedéu, que quase não conseguimos comprar.
– Você é catastrófico, Pilú.
– Cata o quê?
– Catastrófico. Fica imaginando catástrofes.
- Calú, o que disse? Você é muito insensível. Não se importa se tudo acabar: a terra, o ar e o mar? Não se importa de não mais amar, a vida, as coisas e o luar? Hoje faz calor, amanhã faz frio, depois neva. Todo mundo está sofrendo com tosse, problemas respiratórios. Os rios transbordando.
– Mas aqui não neva, Pilú.
– No sul neva, em outros países neva, a terra é uma só. Calú, o que é isto?
– É bosta de cachorro.
- Eita, pisei na bosta de algum cachorro porco.
– Foi você mesmo que cagou.
– Quê, Calú? Eu faço isso não.
– Foi sim, eu vi.
- Eu jogo o meu lixo no lixo, contribuo para que as enchentes não aconteçam. Tudo de bom que você fizer para o meio ambiente contribuirá para o bem dele e para o nosso e para a terra.
– Você é um porco, Pilú, eu te vi cagar ali.
- O nosso ar agradecerá.
– Eu te vi cagar.
- As árvores agradecerão.
– Eu te vi cagar.
- Eu e você agradeceremos, pois precisamos do meio ambiente sadio para respirar.
– Eu te vi cagar.
- É por isso que estou te contando o que está acontecendo.
– O que está?
– O que está o quê?
- O que está acontecendo, Pilú?
– Ô, Calú, você não está prestando atenção? Eu estava falando da poluição das fábricas, do fim da terra, do mundo, das pessoas, da vida, de tudo; falo dos carros e caminhões que rodam e rodam, todos os dias; das queimadas, enchentes, dos lixos que as pessoas jogam nas ruas, dos bueiros entupidos de porcarias, do dióxido de carbono introduzindo-se em nos pulmões.
- É mesmo, mas eu te vi cagar ali. Não tô louco.
- Imagine os animaizinhos em extinção. Essas coisas de defesa do meio ambiente, dos animais, disto, daquilo, que existem no mundo todo, ONGs e tal, é tudo baboseira. Os estrangeiros cuidariam melhor da nossa Amazônia? Somos donos de um patrimônio e tanto, mas nós o desprezamos. Tenho certeza, Calú, que em poucos anos vamos estar queimadinhos, assim como carvão, tamanho é o calor solar. E os papéis, os copinhos de plástico desperdiçados, jogados no lixo, para serem deteriorados pelo tempo. Sua deterioração leva anos. Podem ser reciclados e virar papel bonito e copo bonito, novinhos em folha como antes. A madeira é usada para se fazer o papel no qual escrevemos cartas e romances bonitos. E se a vida acabar, não vamos mais poder escrever nada, e as madeiras também não vão existir. Elas, as árvores, choram quando uma máquina ou um serrador vai boliná-las, machucá-las e magoá-las e tudo á-las. Por que as pessoas não tomam tento do que estão fazendo? Por que os empresários querem tanto dinheiro? Pois não se importam com a nossa preciosa terra? Meu Deus, estou passando mal, Calú, me acuda, não consigo respirar. Essa fumaça me sufoca, os caminhões não param de jogar fumaça, os carros buzinam e intoxicam o ar, o ambiente, eu, você, estamos morrendo – olha, eu vejo as pessoas suicidarem-se. Não há respeito com nada. Me acuda, Calú, acho que vou morrer.
– Meu Deus, Pilú, olhe para mim, você não pode morrer.
- Tudo está destruído, Calú, os bichos estão em extinção por conta da nossa ignorância. As árvores sangram por conta do nosso luxo tolo. Há tornados, furacões, a Terra rebela-se contra nós, acabar-se-á tudo. A Antártida está derretendo, não vamos mais ter gelo. Vou morrer, Calú, vou morrer, porque é melhor morrer a viver neste lar-terra que não é mais lar-terra e que irá ser destruído em pouco tempo.
- Pare com isso, tá me dando medo. Por que você foi cagar no chão, Pilú?
- Socorro... Onde está o nosso meio ambiente, a nossa terra? Onde estão o amor, os peixes, os bichos, Calú?
- Posso ir com você, Pilú? Tô com medo.
- Para onde, Calú?
Ora, para onde você vai.
- Olhe aquela fumaça, Calú, olhe lá ela. Vai nos pegar, nos matar, nos sufocar, nos estrangular. Vou para o mundo dos cachorros, Calú, não é isso que somos? Cuidado, o sol vem aí de novo. Esconda-se.
- E onde é isso, diga logo, onde?
- Na cachorrolândia, pois lá tudo é verde e vida e não há destruição.
- Então, vamos logo, Pilú.
- Vamos. Olhe, me ajude aqui, amigo velho. Vem cá, me dê um abraço. Sim, sim, lá poderemos respirar, mas infelizmente presenciaremos o fim da nossa terra.

CRISÁLIDAS ROSAS CÁLIDAS



O diabo acenou-me de uma rua de terra, estourando o seu dedão gordo, pequeno, de unhas feias e doentes, atrás de um poste velho, perto do meu agressor - pá-bum, em mim (o agressor), lançando-me para muito próximo do mesmo poste na qual se postava o demo, rindo-me das cadeiras fodidas. Feriu-me, o carro, lanceando as minhas pernas estioladas - o agressor embriagado babava, gaguejava desculpas pouco palatáveis: “Desculpe-me.”
Eu espiava o dos chifres da janela encardida da sala da minha casa: – Ei, você, putativo, filho da puta, sua mãe tem ferida na bunda - manguei dele e ele, ah, ele virou uma fera, estirou-me um palmo de língua-mais-que-feia. Sorriu-me após. Pouco dei bolas àquele lá – só se eu der as minhas bolas de baixo, porque outras deveras eu não as tenho e não as dei; bolas de basquete ou de salão: “Queres, capetão, besta-fera, irônico príncipe das noites terríveis fatais?”
- Muito obrigado – agradeceu-me ele por não sei o quê, coçando o rabo, rindo, pondo os dedos fétidos em suas ventas de porco: ronc, ronc.
As minhas pernas corriam desesperadas, jogando bola, chutando cus magrelos, bailando aqui, acolá, assemelhando-se a gravetos desvairados. “Por nosso Senhor” – diziam as minhas pernas fugidias ao ouvir os meus gritos, apesar dos meus brados não serem de dor e não terem som.
Encontro-me deitado na mesma rua terrosa, próximo ao mesmo poste, na qual o demônio ri agora desvairado de mim. Contudo, umas pessoas observam queimar os gravetos – com os quais fiz alusão às minhas pernas (Mentira minha, fiz alusão coisa nenhuma!), sem maior acuidade nos olhos arrogantes. Queimam-se os gravetos em um fogo junino.
Escuta-se habitualmente a ledice da batata doce estralar: trec, trec, o pinhão ser descascado, conversas desnecessárias ou alegrias forçadas de ditos cujos perderem-se pela noite mais ou menos fria, junina. Os olhos curumins deixando-se estar apaziguados – deles, os ditos cujos -, sem poesias, diante da fogueira junina, da batata doce, do pinhão, da alegria forçada, da conversa desnecessária eclodindo do nada. Eu, preso nesta cadeira diabólica (cá), fico a observar as pessoas (lá – na rua terrosa, onde me estirei outrora acertado por um carro) a distância, neste tempo excêntrico, onde não há poesia, todavia há os blá-blá-blás: “Oi.” “Olá, não vão ficar?”, inquiro em vão. Sei, os blá-blá-blás não são mais meus amigos, já pertencem a outros abjetos blá-blá-blás.
Quando eu tinha as minhas pernas, todas as mulheres, crianças, homens e o próprio diabo vinham-me fazer visitas, fazer-me companhia ou dar-me beijos no rabo, sussurrando-me o amor ser um sentimento inacabado, ainda que nos Dias dos Namorados, cujos lambiscos nos lábios cadentes são por demais um dengo agradável a todos, todos se portem como mimosos, dengosos, manhosos, muito embora, depois que se finda o amor, os xingamentos, os-vai-tomar-no-seu-cus prevaleçam eminentes. “Alô?” “Vai tomar no seu cu.”
Então uma alegria me joga na parede e dá-me tabefes valentes na cara-risonha, pois eu me escancaro em gaguejar, embriagado pela ventosidade emitida pelo cu de Baco; eu, imbecil feito só, idiota, porém fantástica poesia eu faço emborrachado pela ventosidade emitida pelo cu de Baco:
Amorzim da minha vida,
Paixão do meu bem-querer,
Serei teu por toda vida,
Se minha fores até morrer.
Quero cruzar os céus, brincar de burquinha, amar com verdade o amor da minha vida: a menina de pele guarada, eu a conheci uns-tempos-outros-atrás – ah, minha bela e doce amada, como é bom te amar e te amar e te amar.
Fosse assim, ó: eu no hospital, uma gorda enfermeira de bigodes mexicanos bolinando em minha bunda fofinha - pá-bum: “Ai, ai, tira a mão daí.” Só compreendo: o meu agressor e o diabo correram com as minhas pernas fugidias.
O diabo acenou-me com o dedão feio, gordo, de unhas amarelecidas e doentes – pés de bode o diabo possuía. “Cacete!”, exclamei tendo os olhos perdidos, embora sentisse vaguear acima dos meus sobrolhos as Crisálidas Rosas Cálidas. Elas banhavam a Flávia Encanto com devaneios outros. Loucuras nostálgicas perseveravam em mim. A Flávia agitava-se na grama do campo florido. Uma cabrita levada, no campo, ao redor das Crisálidas Rosas Cálidas – e a Flávia inclinou-se para: “Quando ela serenava... a flor beijava-a... Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...”
Um leve vestido sobre o corpo guarado. Sem calcinha pequenina: “Que delícia”, disse eu, sem sentido, sem as pernas minhas fugidias, cheirando rosas.
- Peguem-no, ladrão! – berrei, assim que as perdi, as pernas. O demônio escapava com elas - cotocos. Os meus dedos dos pés sacaneavam-me com ri, ri, ri, o caralho e tal. Necessito-me das pernas para percorrer descaminhos, erros verossímeis, sou um ser humano.
No campo florido faria gostoso chá de camomila. Despejaria bastante açúcar em minha xícara de chá para fortificar-me o sangue escarlate – este pulsa feroz. No campo, cheirar-lhe-ia as Crisálidas Rosas Cálidas ou a Flávia Encanto. Sem as minhas pernas, tornou-se impossível tudo nesta vida. Orgulhoso, eu dizia ser dono dos descaminhos da vida. Que nada!
Todos os meus amigos usufruem das minhas pernas como desejam para chegar ao descaminho final, nas Crisálidas Rosas Cálidas.
Em mim estão os amores das Crisálidas Rosas Cálidas. Elas foliam com a Flávia Encanto. Insistente, esta as deseja beijar e beijar, mas nos campos bem verdinhos, floridos, onde a boqueira de peito amarelo grita: “Flávia Encanto, está sem calcinha – que delícia.” Ah, não, a Flávia troca as Crisálidas (ah, deixa pra lá)... e desembesta a correr atrás da boqueira de peito amarelo, só porque:
- Está sem calcinhaaaaaaaaaaaaaaaaaaa.
Sem ela, para mim, quem sabe: Flávia menina.
Encontra-se, ela, aqui, em mim, não morta, porém vivíssima, branca orquídea aprazível. Eu ficaria pelado ao seu lado, no campo, permitindo ao brando vento tocar a minha vida, sentindo patinhas de formigas percorrendo as minhas pernas, rumo ao meu rabo. Saíam formigas. Estou à procura das minhas pernas fugidias. Com elas poderei achar as Crisálidas Rosas Cálidas – ah, minha peônia branquela, canto-te bacânticas cançonetas, bichinho lindo, oi, amor e olá Flávia Encanto:
Em uma noite tu dormias
ao meu lado.
Suspiravas, encolhidinha,
E aos poucos eu tirava
A tua pequenina calcinha.
Foi assim, ó: quando eu percebi, já estava no hospital, sem sentir sentimento gostoso: pá-bum. No hospital, cotoco, vendo as minhas pernas loucas fugirem de mim, rindo-me da cara de susto que eu fazia: pá-bum, então pensei na Flávia, o meu grande amor, meu bichinho branco, meigo, no entanto brava-feito-a-peste - de bunda rotunda, peitos lindos feito pêras, pele tão assim e o diabo de tão cheirosa; cabelos longos, olhos azuis, voz possante, apesar de suave. Pá-bum. Eu no hospital, reclamando para uma enfermeira gorda sobre os maus-tratos ou as passadas atrevidas das mãos da senhora gorda em meu rabo despido; peituda, bunduda e tudo grande, a enfermeira:
- Por favor.
- Cale-se – berrou-me, encarando-me, socando o dedo no meu rabo e tirando e socando até que:
- Oi, amor – disse-lhe eu.
- Oi, bichinho – disse-me ela, o amor da minha vida.
O diabo, as pessoas, as crianças, as mulheres de saias curtas achincalham lá fora com o diabo e o meu agressor.
Lembro-me, cativo por minhas memórias doloridas, da mulher por quem morro de amoooooores.
Estou abancado nesta cadeira maldita. Mamãe dorme tranqüila. Eu invejo a vida. Ela passa ligeiramente, porque viver é um encanto. Como terei capacidade para encarar um novo começo? Todos os novos começos para um homem são começos e tantos, uma nova vida, as coisas dessemelhantes.
Observo o mundo vendo o meu reflexo da janela da sala. Começo a chorar. A campainha toca dim mais dom. Tento me levantar, percebo: não tenho pernas. Mamãe grita do quarto, quer água. Caio no chão. Todos me olham da janela da sala, o espelho que me refletiu por anos. Rastejo como a Barata de Kafka. Se preferir, Barata-Kafka ou Kafka-Barata. As lágrimas desabam de meus olhos, perfuram o chão avermelhado, concreto bravio – quando eu morrer, ainda serei concreto.
Arrasto a cortina. Fecho-a na cara dos patifes. Eles batem na janela, querem que eu vá achincalhar com eles:
- Não posso, cachorros.
Ainda rastejando, entro na cozinha. Ela tem o cheiro perfumado. Era o perfume da Flávia Encanto. Ai, quando fazíamos amor, olhávamos um nos olhos do outro – na minha cozinha onde se espalham cuecas e meias e CDs meus de EBM.
Umas Crisálidas Rosas Cálidas dançam para mim, festejam a morte minha em minha cozinha, onde se espalham cuecas e meias e CDs meus de EBM e outras coisitas mais, como garrafas de Campari e Cynar, papéis velhos, poesias ordinárias.
O cemitério é um lugar de sofrimento. Lá se cessam vidas precocemente. Vidas daquelas pessoas que gritam para eu sair e divertir-me. Sorrir nunca mais! Vocês estão mortos. Pssssiu.
Encho um copo com água. Vou até o quarto de mamãe. Abro a porta. O sol introduz-se na fresta da janela do recinto.
Após beber a água, mamãe beija-me as faces regadas por lágrimas. Lembro-me de quando ela deu-me um tapa tão violento que quase me arrancou o diabo da orelha. Puniu-me por eu ter ido brincar de burquinha sem sua permissão.
- Para os diabos! – irritei-me.
O universo é tão negro. “Calem-se, canalhas, o mundo necessita de silêncio.”
Entro em meu quarto – tão tenebroso. O diabo encosta-se preguiçoso em meu ombro.
- Arreda, pois.
- Então tá – diz-me ele, sacolejando os ombros pretos em desdém, deixando-me um cheiro de enxofre – diabo dos diabos!
Enrolo-me dos pés à cabeça. Prefiro morrer assim, sem ver o dia passar. Em meus pensamentos, as Crisálidas Rosas Cálidas perfumam o corpo gostoso e alvo da Flávia-Meu-Encanto-Meu-Amor-Minha-vida-Minha-Crisálida-Rosa-Cálida-Pequenina.

FLÁVIA


Hoje eu senti uma dor que já bem conhecia.
Era algo que por algum tempo eu deixei de sentir.
Sentei-me na cadeira e pus-me a escrever o que foi você para mim:
Uma rosa - uma rosa em meu imundo jardim.

MARIA BONITA - DE SAIA BAILANTE!...



Saudamos Lampião, a cara bruta, a lambedeira,
Oh, Maria Bonita de saia bailante!
De amor ela amou o Lampião luzente,
Por amor ela morreu por uma terra errante!

EU ESTOU


Oh, eu estou puramente num estado Deplorável,
Talvez tenha se perdido a parte em que me cabia a Emoção.
Desejo muito o amor que, demasiadamente Mutável,
Perdeu-se na minha demasiada Paixão.

quinta-feira, 12 de março de 2009

ENCONTOU-ME


Tão bela é mesmo aquela flor do campo!
Encantou-me – um doce; alma embebida
D’amor, d’amor mesmo encantou-me seu canto
Aquela araponga voadora d’asas fendidas.
Lá p’ra lá, esvoaçava batendo asas,
Bicando as flores do campo, assaz
Sorrindo triste, olhares varridos,
Varridos sorrisos, tristes, falazes.
Oh, que amor eu tenho cá, eu, tanto!
Então me embebi das flores tão vadias
E para o pássaro errante eu canto
Mil melodias varredouras, tu sabias?
Mimosa menina, ouviste-me, tu, cantar?
Cantei teus lábios com beijos,
Mimei teus seios com selos,
Jurei dever te amar!
Com muito mais melodia,
Olhando-te bela e nuinha,
Gastei meus dedos nas cordas,
Solfei canções de amor.
As curvas formam teus peitos
Lindos, polutos e demais embriagados.
Princesa d’oiro, vem beijar os lábios meus,
Que juro tecer no vapor dos nossos corpos:
O amor que eu deixei no belo corpo teu.
Jurei cantar melodias,
Amei dançar ao luar
Estive bem perto, tu sabias?,
De poder, quem sabe, um dia te amar.

A ROSA



A rosa, adorei-a com ardor;
Tão formosa, ali no campo perdida,
Primorosa, semeei-a com amor,
Tão menina e bela, enternecida.
Fanfarrona, brincou de beijos me dar,
Não cedendo o coração para o amor.
Brincalhona, outrora disse me amar
Enquanto eu falava do amor.
Cantei-lhe embriagado ao luar,
Beijei-lhe o ventre tão puro,
Sorriu-me quando eu disse amar
Os seus belos peitos polutos.
Não ligo, é um sonho tudo...
O vivo fio de uma imaginação,
Digo-te, amo-te muito, contudo,
Perigosa alma da paixão.

A VOCÊ!

E tão dispersado se tornou o nosso Amor
Que do íntimo nosso sufocou uma Dor
Que outrora se formava num Bonito Amor
E que hoje se dispersa em Esperança...

À MULHER QUE AMO, EM MIM...

E como tudo que eu faço de errado, eu invento a vida
Todinha molhada pelo meu esquecimento.
Se eu tardo em encontrar minha vida toda,
Acabo lembrando que esqueci um pensamento:
De querer estrelas pudicas a brilhar no céu
E alegrias para me fazer sofrer,
Pequenos adornos para me fazer morrer.
Mas anseio retirar com ágeis mãos o belo véu
Que cobre o corpo adorado da mulher que tanto amei.
Todos os versos que os pássaros versam
São passageiros, e eu adorei!
A mim, jamais chegaram. Crível verdadeiramente.
Não quis descobrir o que em mim ardia assim:
- Tic-tac. - Ih, coração verboso e solitário.
- Toc-toc. - Batidas de mãos suaves em minha porta.
Um ranger dela se abrindo como filme mortuário.
- Olá - diz. Alguém que me quer para amar?
E, com seus lábios de cor escarlate, ela me diz as letras mortas:
- Sou eu em ti. Queria te perguntar... Ainda amas o amar?
Tudo bem, vou dizer que nada sinto.
É só enganar o que bate aqui em mim.
Mas sabe de uma coisa? Eu amo, eu não minto!
Porque, se você pisa em uma rosa, ela sente, sim.
O bom é correr das venturosas paixões.
São sentimentos que doem, como poderei me aprofundar?
Ver com o coração e sentir com a alma,
Alegrar-se com as emoções,
Beijar serenamente; o amor está calmo.
– Olá, existe alguém aqui em partículas, despedaçado todo?
– Dizes-me tu versos engraçados. O que queres comigo?
– Ser tua! Tirar o véu que cobre teu corpo.
– Para me ver despido das emoções?
– Se te desejo, como podes pensar em desilusões?
– E eu não acreditava no amor – as paixões...
– Deixa-me te amar, ser tua por minutos...
– Nem se fosse por horas, farejando os encalços das emoções fugidias...
– Oh, então sofres sem paixões?
– Não. Eu apenas não saberia amar o teu amor nos meus vindouros dias...

A VOCÊS


Pois canto a peito brioso - aos paulistanos!
E a paulistas inebriados d’encantos,
As impávidas canções da nossa terra!:
”Paulistas, parem um só instante!”,
Um dia disse o poeta inebriante!

AMO AMAR O AMOR DOS PEITOS POLUTOS

Peitos polutos, bicudos,
Porém rígidos e revestidos.
Pilosos e polpudos amores
Que roçam no campo as flores.
Pequena pepita pelada,
Oh, que sereia tão bela!
Seria ainda mais bela a fera
Se Zéfiro um beijo desse nela.
Um sabiá acolá cantou melodia
E disse eu à sereia um dia:
Pimba!, peitos polutos e bicudos!
Perscrutei o véu tão perro, persistindo...
Sonhava sonhos sensíveis e mudos
Beijando tão belos peitos polutos.

AMOR DA MINHA VIDA

Do que vale o meu amor
Estilhaçado pelo chão
Se meu amor agora dorme
Neste leito sem paixão?
Não valsam mais os seus cabelos
Dormitando sono denso,
Mergulhados em densa paz
Que os consome por demais.
Não palpitam mais amores
Em seus seios de mulher
Adornados em macilentas flores.
E não mais seduzem nenhum rapaz
Que outrora viu brincar
Tais fartos seios, sem ter paz!
Oh Deus, não me leve agora
‘Sta linda flor d’aurora
Nem jamais ausente assim
O amor vibrante em mim.
Como posso roçar os lábios
Do meu bem que dorme tanto?
Não se mexem os seios fartos
Nem seus lábios-mel-d’encantos.
Pranteio loucuras em meus feitos
Por ‘sta donzela deitada ao meu leito.
Ela não me canta mais os cálidos cantos
Nem transpira meus pomposos encantos.
Nas noites quentes sorvíamos vinho,
Vislumbrando falas mansas como deuses pagões
E vinham dóceis, como os ventos sazonais, as paixões...
De outros amores que se deliciavam por demais.
Sofro tanto, Deus, eu cá,
Por não mais sentir tamanha ardência!
Amor ou Dor, oh, eu os sinto tanto!
Relembro quando estávamos nos amando,
Eu e ela,
Eu e Tu, o amor que demais ardia assim:
Mulher lívida, acorda já!
Vem tocar os lábios meus.
Anseio-te muito, vem já me amar
Que juro namorar os lábios teus!

AMOR, SOU EU



Amor, sou eu...
Não acabou. Eu não consigo mais ficar aqui sozinho. Você me faz falta, só um pouquinho,
a ponto de me deixar aqui pensando, enlouquecido.
Amor, não acabou.

A MORTE



Tu que retirastes a vida minha,
De nome que não me atrevo a clamar,
Espectro enfermo que ermo caminha,
Levastes o que eu adorava amar.
Dize: de que tu me serves agora?
Se n’alvura de nuvens lá no céu
Valsas, ninfa, embutida num fino véu,
Feliz, sorrindo, desfrutand’aurora.
‘Spero distanciar-me das mais vis dores
Ai de minh’alma fugidia...
Dança tão surpreendente, vadia,
Olvidando todos os meus amores.
Já não há um belo Febo que me aqueça
Nem ninfas que me cantem liras delirantes,
Já não há sofrimento que me esqueça
Nem sentido nestas rimas marcantes.
Se advirto o peito meu deste desgosto,
Martírio íntimo - um coração aberto,
Prevenir, prevenia; um pulsar danoso
Deste peito meu desperto.
Tend’em mim uma nova dor ardente
Neste meu solitário peito palpitante.
Eu grito com bramidos sufocantes: volta,
Vida minha! Onde andas tu que, tão solta,
Não escutas a minha sufocante solfa?

AMO-TE EU MESMO


Amo-me mesmo, não mais do que a ti
Em nossa inumana circunstância.
Antes amasse eu, mais do que senti,
A nossa imódica importância.
Que mal faz este nosso amor tão puro
Se te embriaga a alma que canta
Ou se fura o meu coração carnudo
Sem dar ao desejo a menor importância?
Pude eu amar a ti mais do que a mim?
Pude maldizer os meus lábios mudos?
Pude compreender a soledade e a nossa distância
Que, demente, fura as minhas lembranças?
Lembranças que conto aos quatro cantos do mundo:
Que eu mesmo me amo não mais do que a ti.

CALOROSO AMOR


Colhe nas tuas tardes as mil flores,
Forma com as mil flores mil amores.
Faze dos mil amores mil fervores,
Demuda os mil fervores em ardores.
Orna os teus amores com mil flores,
Beija a flor beijando um beija-flor,
Sente a dor do Amor sem sentir dor;
Desagrada beijar sem pur’Amor.
Amor, verbo tão puro e verdadeiro?
Beija mil vezes a vermelha flor.
Vermelho é a cor do Amor passageiro.
Mas dura o meu Amor, dura o Amor,
Pois malmequer é mesmo bem-me-quer
E beijar uma flor é morrer d’Amor.

COMO VOCÊ É LINDA



Deitado de lado ao teu lado, sorri...
Olhava teus peitos pelados dormindo.
A breve aurora veio – nem vi.
Verti-te um beijo nos lábios carnudos,
Ganhando, colados na barba hirsuta,
Fios finos dos teus cabelos austeros
Que nem me deixaram tocar-te a cintura.
Logo um tapa na mão eu ganhei
E sosseguei o amor, que batia fremente
Aqui em m’peito palpitante, doente,
Saciando-me de olhar-te tão nua e dormente.
Acorda, menina, vem desenjoar comigo.
Veste tuas roupas fazendo gostoso jeitinho.
Dá-me um beijo chamando-me benzinho.
Vem, guria, bailar somente comigo!
Venturoso, eu sonhei ser poeta das flores,
Cantar falácias rimadas d’encantos,
Amar os teus olhos, luzidios amores,
E beijar os teus peitos gostosos entretanto.
Sonhei desfilar entre lindas mulheres;
Nem ao menos uma delas um beijo me deu.
Triste, tristonho, eu despedi-me com dores
Por elas nem ao menos me dizerem amores.
Acordei num susto danado e singelo.
Olhei-te de novo com os mesmo amores:
Donzela amada, por que me causa mil dores?

MEU AMOR



Da chama tua feita e valorosa,
Que excita minha cama desafrontada,
A fazer a esperança deitar ditosa
Em meu leito onde dormita tão amada,
Tu, virgem, que reluzes luminosa
E tombas em mim, nua, dorida e preguiçosa.
Dengosa a tua boca sanguinosa.
Dela sai a chama tua feita e valorosa.
Desleixada, tu dormes nua e indiferente.
Nem te tocas do desejo que tão fremente
Valsa em mim como a folha buliçosa.
Superno amor, fosco e enlouquecido!
Derramo já meu corpo molemente
Por cima dos teus seios tão bonitos
Para melhor beijar teus lábios dormentes.
Dou-te minh’alma, meu amor e meus papéis,
P’ra não deixar meus versos esquecidos
Nem minhas lágrimas deitadas em canções
Que ressoam das flautas dos belos menestréis.
Serenato mesmo aos quatro cantos,
Osculo Baco e sorvo gosto, encanto,
E o meu Amor que, tanto quanto padecido,
Não descansa nem se cansa, amolecido.
E te amo mesmo, donzela retumbante,
Porque sou boêmio, demente e um amante!
Ao contrário de tudo, muito me apraz
Ver os pássaros pipilar demais amor
E cantar letras tolas, desalmadas.
Versos que fazem sentir-se eficaz
Um moço com barbas tão desoladas
A fechar as fácies minhas tão doridas,
Sofridas – amabilidade que desloca,
Pula, tão estática e recalcada,
Retumbante, alarida, alambicada!
E agora as façanhas me lambuzam
De salivas e doce e mel d’rosas.
Osculo mesmo os teus lábios, ora bolas!
Gosto tanto do teu aroma; se deslumbravam
As minhas narinas desleixadas, prazerosas.
Por que se encontra tal donzela lá p’ra...
E me deixa tão sozinho, desalmado
A cantar melopéias tristes e sofridas? – ah!...
Onde está a mulher que canto tanto?
Solfas rimadas d’encantos
P’ra maior fazer e dizer da beleza pura
Dela;
Ora bolas, que desgraça a tua ausência!
Pranto como moço apaixonado
Por tanta lacuna que o beija-flor me fez.
Dele, ouvia ásperas, arrebatadas
As canções, as falácias, as ausências
Dum amor meu, dum calor de Prometeu!
Jápeto, solitário e pouco amado,
Furtou o meu amor; fagulhas por demais belas!
Da boca a qual beijei demais amando,
Numa noite em que estive anexando
Benfazejos beijos nos virtuosos lábios
Teus!
Conheci-te um tantinho, eu era Faetonte.
E conheci mesmo a ti em mil lugares...
Vi os olhos teus muito me dando
Amor demais, demasiado – singulares!
Anseio de dois acanhados apaixonados,
A cobiça, suor dos nossos corpos...
Queimaste os teus seios nos meus peitos,
Homem e mulher, prófugos – bom adultério!
Pois se tudo vai para o cemitério...
Que vergonha há nos férteis amores?
Se houver, o diabo que a leve - Inferno!
Perdoa-me se atrevo nas falácias formosas,
Dizer venturosas palavras amorosas
Cleópatra, Dóris – Déia!
Ouça a minha melopéia:
Meu amor vale mais que mil amásios,
Que Apolo ou Mercúrio...
Baco?...
Ou que amor de simples salafrários.
Olha-me, porque sofro – infortúnio!
Acalma-me com teus carinhos tão bucólicos
E adormece o meu peito como um narcótico.

ENAMORADO


Junte-se a mim neste amor e nesta dor.
Vem, deveras, mulher, com teus cabelos,
Velos que me cobrem o corpo magro
E fazem-me sentir teu eterno namorado.

AI, GURIA LINDA


Ai - que apego é este que te inflamas, amor?!
Que ardor em teus peitos te atenua?
Foi por mim que te apaixonaste tão serena
Onde, na boca risonha, de mim, recebeste uma poema?
Ou foi a paixão por meus beijos que te deixou morta de amor?
Tu foste a mais refulgente das amantes
Quando te apresentei aos peitos os beijos insolentes.
Marcaram-me o pescoço os teus anéis de brilhante,
Enquanto tu vias as estrelas do céu verter em teus olhos mordentes.
Entornava-te mesmo o azul célico em teu olhar cintilante.
O teu velo, Zéfiro osculou - oh maviosa viração.
Vi-o brindar com Baco. Sorviam vinho, sorriam radiantes...
E já bêbedos fodiam com Vênus nas várzeas da paixão.
Já dizia um poeta cujo livro um dia eu li
Que “a Saudade é flor sem perfumes”.
Atroa em mim a maviosa flor agreste que um dia eu vi
Dançar oculta na flor dos teus amores.
Tu, tão bela, dormes com a bênção de Morfeu
Enquanto eu d’um charuto m’inebrio.
Sou poeta, amante, um vasto bêbedo vadio,
Recito poemas ao parnaso que já morreu.
Debruço-me sobre um banco duma praça
E co’alvedrio eu crio versadas letras.
Vejo meninas desfilarem tão festeiras
E deleito-me com um só rabo de uma saia.
Meus poemas são tão feios e arrotados.
Foram belos outrora e tu sabias.
Pois me pus a cantar demasiado
Umas rimas de amor, e tão vadias
Que fizeram os teus lábios esticarem malcriados
E, aos pulos, oh menina, tu me rias.
Que o fado meu possa me atraiçoar.
Eu cheiro, eu olho, eu amo a noite fagueira,
Pois me rolo contigo a noite inteira
E dou vinho a Baco, o sabor do belo amar.
Perdoa-me, oh mulher tão bela e pura!
Pois perdura este amor que me consome.
Era noite, noite cheia, quando em meu leito tu dormias,
Tão criança, tão menina, numa brancura tão bem pura
E, já desperta, em minha cama, tão sapeca, tu me comias.
Na praça onde estive debruçado,
Vi um dedo teu, preso em teus cabelos, uma madeixa enrolar.
E de soslaio, linda menina, tu me olhavas.
Com outras cabritas tu estavas, aos pulinhos tu ficavas,
E quando eu te ria com meu sorriso pequenino de menino
Tu me querias, meu branco amor, tu querias me amar.
Foi quando como um raio eu por ti me apaixonei
E duma voraz coragem tomei-me por Nero.
Pedi-te um beijo, olhando-te nos olhos magoados;
Não me deste o beijo e para casa fui tão fero.
Antes não cochilei, sorri-te outra vez,
Numa graciosidade que faz rugir os velhos vulcões.
Fiz-te em pensamento, com o coração cheio de paixões,
Uma dolorosa, porém bonita, despedida, e que assim chorosa me fez:
- Tu pareces as possantes lísias belas
Quando teu riso te amoranga a tacha pura.
’Té, guria branca, tu bem aqui me deixas,
Mas antes o peito meu tu bem que furas.

É QUE DORMINDO EU SONHO COM VOCÊ

Às vezes você quebra o silêncio e eu escuto:O corvo escuro passa a gemer as suas canções...
Tanto que os ouvidos meus zunem pios d’águias
E d’águas molham-se os olhos meus com emoções.
Deito-me neste leito meu com largas solitudes;
Todos têm os seus amores à noite quando tombam...
Atitudes eu tenho, as mais várias – quando alguém ama...
... É como se eu sentisse o odor balsâmico do teu perfume...
Adormeço no mesmo leito onde tu, travessa, dormias
Quando vinhas à minha casa com sorrisos e cantilenas de amor.
Só cabe-me o lençol a cobrir-me os olhos; e tu dirias
Que o amor que sinto por ti é completo, pois com tanta dor
Fez-se esquecer. Os meus olhos - eu dormi sonolento,
Porque eu não posso, dormindo, te falar
Que o que sinto por ti é muito mais do que o próprio amar.

CORAÇÃO VIBRANTE


Pois no meu peito o coração vibrante
Pula déspota sem amar um só instante
O amor néscio que cresce como joio.
E em mim vibram demasiadas emoções
Das sãs paixões que hoje se dispersam
E do amor que muito me apraz.
Sinto-me já tão esfalfado pelo tempo,
A tirar d’Febo o doirado encanto
E nos campos oscular a flor d’ourora.
Flor que senti tão bem beijar os lábios meus
Outrora, quando bem sabia ser um moço
Ressoando versadas as canções d’amor!
E já não me sinto tão bem aqui sozinho,
Sem a fina flor que afirmei-me amar,
Sem ao menos dizer: como é lindo viver!

BELAS NINFAS


Belas ninfas de cachos doirados,
Não olhem com os seus olhos adamados
Os nossos aspectos masculinizados.
Perdoem nossos cobardes lamentos,
Amem os nossos sofridos poemas,
Vivam somente apaixonadas...

COVEIRO


Coveiros, carruagens efêmeras da alheia dor.
Nas exéquias, a lágrima de todos perdura;
E o denso ar sufocante da fria cova escura
Faz deslocar-se o cântico sereno de um dia sem amor.
Abrir-te, ó terra desvirginada e dura,
É um terror para a carne gélida desfalecida.
Esfria a alma de quem espera, esmorecida
Onde a lágrima desce e a dor perdura.
E da terra à terra; a unificação do homem,
Divino ser, por Coveiros jogado às tártaras trevas,
Perdura afagado pelos vermes que o comem;
E o Coveiro vira um símbolo das desgraças feras.
O gramado já não cresce tão florido
No lugar onde jaz um sepultado,
E o Coveiro sabe bem cuidar do fado
Do jardim que há muito jaz dorido.
E a chuva cristalina limpa o mármore,
Pedra gélida e numerada, mas aquecida
Pelo divino Hélios - deus do sol,
E pelos anos tornar-se-á a pedra esquecida.
E a morte ainda a alma do Coveiro desconhece,
E conhece a alma do Coveiro a morte alheia;
E das frias faces funéreas de um Coveiro
A esperança raia – é sempre um belo dia.
E no campo florido, uma flor esbelta
Esfria-se na alvorada, esperando que amanheça.

AMOR TRÊMULO DESVAIRADO

Amor trêmulo desvairado,
Onde perdura devaneio tardio,
Nos ventos aloucados dormiam dormentes
Teus perfumes – mágicas dum abril!
Gotas de suor sua a pele tua,
E dele, com Baco, faço saudável vinho
Que sacia a tua sede enlouquecida,
Que embriaga tua mente com meiguice
E que banha os meus lábios com carinho.
Jamais tive leito tão desforrado.
O joio que em mim cresce mormente
Jamais ouviu soluçar tremeluzente
O incondicional prazer em meu enfado,
Que nas noites tristes chorou solitário
Assim, assim, despido da moral frágil,
Assim, assim, tão gentilmente desmesurável!
Juro cuidar do tempo ao amar...
P’ra nunca permitir à ousada velhice te tomar
Nos braços velhos e te levar p’ra longe co’os pássaros belos.
Jamais deixarei o Zéfiro saudoso o teu cabelo beijar
Nem tampouco poderei deslembrar do sonho
Que nas noites, dormindo, Flávia, juro-jurei te amar.

ATRIZ?...


Dormi colado ao seio duma atriz.
Quando acordei, me senti extasiado.
Entretanto, fui tão bem amado,
Pois nos braços meus dormia a meretriz...

ELIS



É bela igual à margarida,
Uma flor - as bochechas rubras.
É branquinha, uma menina tão linda,
Rosinhas as bochechas, que amor.
Pequenina - os olhos célicos transpiram
Um bem-estar,
Talvez por ser criança.
O céu se assusta com a façanha
De Deus banhá-la com pétalas de branca flor.
Cresce sorrindo, não sabe da vida;
Dorme, um anjinho, sem pouco saber:
Que a mãe, ao seu lado, coruja, cochila,
Pertinho assim, cheirando você.
Aproveite, menina, a infância querida: o sol, o vento, o ar e o brincar –
E quando já moça, tão alta e bonita, com lágrimas, menina, da infância irá se lembrar.

ELA

O que ela discerniu e para quê; se eu a temi e por quê;
O que ela vê,
Quem mesmo sabe é o mundo,
Eu nem sei o porquê.

BAILA, GURIA!

Que soberbos os teus níveos pomos!
Pensa bem, menina, o que realmente somos?
Vi a fina tua cintura dançar elegante
Uma pura música de donzela embriagante.

CANTORIA E LIRA

Não desejo mesmo impunidade ou delito
Nem mais hipocrisia ao seio infante.
Da mulher, quero o gozo fino,
Saudável e feliz – brilhante!
Desejo muita cantoria e lira,
Saudar com gosto a rica poesia,
A maravilha e o sabor da vida.
Não quero mais desafinados cantos,
Gritados pelas bocas sórdidas
Da porra desses homens insanos!

DEVANEIOS E DESESPERANÇAS

Aplauda neste silêncio a vida e atreva-se!
Dentro dos seus desejos plausíveis e dos seus erros, seja você!
Numa experiência duvidosa que se resume num piscar de olhos, o que poderemos ser, seremos...
Sobretudo, o que queremos desta vida desterrada...
Talvez consertemos algum irreparável erro, no afã da dúvida, dos nossos próprios erros, sem mágoas...
Queremos sempre saber, mas acreditamos que tudo pode ser válido, quando pode ser verdade, para cada um de nós.
Onde ela existe?
A dor, a reflexão do que cada sentimento é na verdade
é, talvez, o que não acreditamos ser. Nosso corpo é um poço de ilusões! Idealidades e desesperanças!, juntos para fazer, numa única vida, uma odisséia padecedora dos nossos sonhos...

DIZEM TANTAS COISAS


Dizem que sou borboleta
E que também sou o mar.
Dizem tantas baboseiras
E até que eu sou o amar.
Com quatro letras, o Amor,
E com três, apenas dor.
Junto as sete letras perto de mim
E não sei o que é isto que sinto por você.
Não me importo com você,
Sei até que sou feinho,
Mas como posso amar um ser
Que é assim tão mesquinho?

A FLOR


Roubaste a flor d’encant’aurora
E levaste-a com brandura embora.
Voltaste e outra flor do amor tu afanaste
Do campo – cantaste solfa, fazendo-a ressoar
E, ah!, com a flor a beijar os lábios teus
E aos quatro cantos em que respira ela o ar,
Ah!, deixaste cada pétala fina do amor findar
E amar não puderam mais os desvairados sentimentos meus.